sexta-feira, 22 de março de 2013

O REENCONTRO


 

Mariana estava meio atordoada, em um estágio intermediário entre o êxtase e a inércia. Mal conseguia andar e foi neste estado que chegou, não sabe como, à igreja de Santo Antonio no Largo da Carioca e lá ficou até que o sacerdote viesse lhe avisar que a igreja iria fechar e ela teria que sair, podendo retornar no dia seguinte se fosse do seu agrado. Só aí foi que se deu conta de quanto tempo havia ficado mergulhada em suas lembranças do passado, as quais reviveu após seu encontro com Astolfo, seu tão cobiçado amor dos tempos de colégio.

Eles se conheceram ainda na adolescência, estudaram juntos, e Mariana sempre nutriu por ele uma grande paixão, embora não correspondida, que nunca deixou de ser alimentada por ela que vivia na esperança de um dia conseguir chegar ao coração do rapaz, o que nunca aconteceu.

Astolfo após sair do colégio, seguiu carreira militar como era do gosto de seu pai, casou três vezes e atualmente estava separado. Somente teve filhos do primeiro casamento, duas meninas as quais criou com rigor, talvez por medo que se envolvessem com homens como ele, mulherengos e de difícil trato com compromissos. Mariana se formou em professora, casou uma única vez e tinha três filhos homens. Os dois nunca mais se viram até que por uma dessas casualidades do destino, se esbarram literalmente em plena Av. Rio Branco esquina com a Rua Sete de Setembro no centro da cidade e foi como se nunca tivessem se separado, pelo menos para Mariana que quase desmaiou quando se viu amparada pelos braços de Astolfo. Os dois vinham caminhando, apressadamente, em direções opostas no meio de um mar de pessoas que se acotovelavam uma com as outras abrindo passagem, quando Mariana tentando se desenvencilhar de um braço vindo em sua direção tombou para o lado e deu de cara com Astolfo que teve que segurá-la para que os dois não fossem ao chão. Em um primeiro momento a preocupação de Mariana foi a de ajeitar a saia que veio parar no alto da cintura e os sapatos que saíram dos pés com o impacto. Somente alguns segundos depois quando olhou para o até então desconhecido para pedir desculpas é que mais uma vez teve que ser socorrida por ele para não cair dado ao susto que levou ao reconhecer Astolfo, fazendo com que se sentisse tonta e com uma sensação de vertigem. Mariana ficou parada olhando o homem que a segurava quase que em transe, enquanto que Astolfo sem entender o que acontecia não sabia bem o que fazer. - A senhora está bem? Está sentido alguma coisa?  Enquanto falava Astolfo foi conduzindo Mariana para porta de uma loja, que ficava na esquina, com objetivo de saírem do meio do tumulto de pessoas que não paravam de passar quase que por cima deles. Era dezembro, faltavam poucos dias para o Natal, a rua estava apinhada de gente, mas Astolfo logo se arrependeu, pois a vendedora, vendo os dois na porta, se aproximou pensando serem compradores e Astolfo, que já estava perdendo a paciência, voltou a puxar Mariana sem dar resposta a vendedora que ficou a olhá-lo com sorriso sem graça, mas em seguida voltou ao interior da loja entendendo que não iria conseguir vender-lhes nada.  Mariana se sentindo muito constrangida pelo seu comportamento não sabia aonde enviar a cara de tanta vergonha, mas mesmo assim não conseguia controlar seu coração, que saltava feito uma bomba no meio de seu peito parecendo que ia explodir a qualquer momento, e os pensamentos que vagavam sem controle. “Meu Deus!...É ele. Como pode ser?... É o mesmo Astolfo de sempre... o meu Astolfo... Apenas alguns cabelos brancos o separam daquele menino...”  E permaneceu parada a olha-lo fixa e emocionadamente revivendo os tempos de colégio. Astolfo já estava começando a se irritar com aquela mulher ali parada a lhe olhar sem dizer uma só palavra, além do fato de estar atrasadíssimo para um almoço de final de ano com amigos que o esperavam no restaurante do Clube Naval, o que vez com que fosse se afastando com pedido de desculpas quando Mariana meio que sem voz o chamou. - Astolfo... Há quanto tempo... Você não está me reconhecendo não é? Astolfo, que já tinha virado e dado dois passos, voltou ao ouvir seu nome e olhou para Mariana com ar questionador e só quando ela abriu um largo sorriso foi que ele, mesmo sem lembrar seu nome, a reconheceu e inesperadamente lhe deu um forte abraço, o que a deixou sem fôlego e com as pernas bambas, mais desta vez conseguiu se controlar e não cair. - Nossa!... Meu Deus, mas que mundo pequeno... Não me lembro do seu nome, mas de você lembro bem.  Está ótima, bonita como sempre. Desculpe, realmente não havia lhe reconhecido. Mas também depois de tantos anos, não é?... Não sei como você me reconheceu... que ao contrario de você que permanece linda como uma menina, eu estou bem diferente, cabelos brancos, meio calvo... Mas como é mesmo o seu nome? Com a voz um pouco tremula, Mariana disse seu nome e permaneceu ainda por alguns segundo inebriada pela atmosfera do encontro e a cada elogio feito por Astolfo sentia o coração disparar de tanta emoção e fazia força para não demonstrar seu descontrole tentando parecer o mais natural possível e manter um diálogo para alongar aquele momento, mesmo sem saber o que dizer ao certo.  Já Astolfo, apesar de ter gostado de encontrá-la, não queria se estender muito para não se atrasar ainda mais para seu almoço e como Mariana não parava de falar, ele a pegou pelo braço fazendo com que o acompanhasse. E assim os dois seguiram conversando pela rua no meio dos transeuntes que seguiam com a pressa dos aflitos.

Astolfo pouco quis saber sobre a vida de Mariana, em parte por puro desinteresse, mas também porque mal tinha tempo de responder as perguntas feitas por ela que depois de se recuperar do susto de encontrá-lo abriu um rosário interminável de indagações. Queria saber tudo sobre a vida de sua paixão dos tempos do colégio. - Nossa Astolfo, que prazer em encontra-lo. Conte-me como você está? Você seguiu mesmo a carreira militar? Ah... lembro-me bem que você só falava sobre isso no colégio... Que era o sonho do seu pai... E você se casou? Tem filhos, quantos?...  E Mariana seguiu com seus questionamentos e Astolfo respondendo algumas perguntas, se esquivando de outras, não tendo muito empenho em satisfazer a curiosidade da mulher que caminhava a seu lado, a achando até um pouco estranha em querer saber tantas coisas sobre sua vida, afinal era só uma velha e distante colega de colégio com a qual nem tinha tanta intimidade assim e acabou por se arrepender de conduzi-la com ele.  Ai... droga, porque não me despedi dela e vim embora sozinho?... Eu e essa minha mania de sempre querer ser delicado com as mulheres...” Pensava enquanto andava cada vez mais rápido para chegar logo e acabar com aquele interrogatório infinito que estava lhe irritando. Mariana, por sua vez, estava quase que correndo para poder acompanhar os velozes passos de Astolfo e parecia nem se importar com a falta de interesse de seu acompanhante. Estava em êxtase revivendo suas lembranças e fantasiando aquele momento como a realização de um sonho. “Meu Deus!... Estou andando de braço dado com Astolfo...” Era tudo em que conseguia pensar e sua emoção era tanta que nem percebeu que o verdadeiro objetivo de seu amigo de colégio era chegar o quanto antes a seu compromisso e pegá-la pelo braço havia sido a maneira que ele encontrou de seguir e não ser indelicado largando-a a falar sozinha no meio da rua.

Quando finalmente chegaram à frente do prédio do Clube Naval, Astolfo quase que de um puxão soltou-se dos braços de Mariana que a essa altura segurava-o com força parecendo querer mantê-lo junto dela para sempre, e sem muita cerimônia interrompeu o discurso questionador de sua antiga colega de colégio e se despediu dando-lhe um leve abraço, bem diferente do primeiro quando se encontraram minutos antes, e dois beijinhos no rosto dizendo que havia sido um prazer revê-la e adentrou pelo prédio sem que Mariana tivesse tempo de impedi-lo, e o que é pior, sem responder de forma concreta a pergunta mais importante para ela. – Astolfo, Astolfo... Poderíamos nos encontrar outro dia para conversamos mais. O que você acha?... Mariana questionou como um último suspiro. – Claro que sim Mariana... Claro... Qualquer dia desses... Mariana sacou a caneta da bolsa e continuou em sua investida. – Então anote meu celular e me dê o seu... Mas Astolfo parecendo não ter escutado, ou fingindo não ter, lhe deu um adeusinho e entrou no elevador a deixando parada nas escadas de entrada do prédio perdida num turbilhão de sentimentos, que iam da felicidade a frustração. E assim ficou por algum tempo, até que se deu conta que o motivo pelo qual estava no centro da cidade era devido a ter hora com um dermatologista tido como o mestre no tratamento estético e dificílimo de conseguir horário, ela havia marcado meses antes e estava esperando com ansiedade pelo dia da consulta. Mariana olhou o relógio e verificou que estava quase meia hora atrasada e que provavelmente não conseguiria mais ser atendida. Porém, não se incomodou muito quando ligou para verificar a viabilidade de seu atendimento e a secretária do médico disse que não seria mais possível para aquele dia, só tendo nova data dentro do prazo de seis meses. Desligou o telefone sem responder se queria ou não remarcar sua consulta e andou calmamente pelas ruas da cidade e sem perceber chegou à igreja de Santo Antonio no Largo da Carioca, onde entrou e sentou em um dos bancos da última fila e mergulhou em seus pensamentos.

“- Puxa... Que pena não ter dado tempo de passar o número do celular para ele... Deveria ter lhe dado antes, porque deixei para ultima hora?... Mas bem que ele poderia ter esperado um pouquinho... Era só um minuto... Ah... vai ver estava atraso para algum compromisso importante, não tinha tempo para ficar esperando eu me decidir a dar o telefone... Eu é que demorei demais como sempre... Mas ele nem se lembrou do meu nome... nem quis saber nada sobre a minha vida.... Mas também eu não parava de falar... Coitado quer ver que ficou com vergonha de perguntar... Ele sempre foi tão tímido. E quanto ao nome... o que importa o nome, o importante é que ele lembrou de mim e concordou em nos vermos algum dia... Ei mas espera aí!... Como vou encontrá-lo? Ele não tem meu telefone e nem eu o dele. Ai como eu sou estúpida, como pode uma mulher da minha idade agindo como uma adolescente dos tempos de colégio... Ah... mas ele gostou de me ver, eu pude sentir... Até me abraçou, andou de braço dado comigo... Ele gostou tenho certeza... Qualquer dia desses vou reencontrá-lo e não vou ser tão lenta. A primeira coisa que vou fazer vai ser lhe dar o número de meu telefone e pedir o dele...” E por lá ficou até ser educadamente convidada, pelo sacerdote, a se retirar da igreja.

E enquanto isso, Astolfo que estava na companhia dos amigos já tomando cafezinho após o almoço e num papo daqueles sem hora para acabar, comentava sobre o fatídico encontro com a colega de colégio. – Imaginem que vinha eu andando, atrasado e apressado como sempre, quando dou de cara com uma mulher que quase me jogou no chão. E adivinhem quem era? Uma velha colega dos tempos de colégio. A principio não a reconheci, mas depois quando ela me chamou pelo nome minha memória reavivou e lembrei. E aí é que se danou tudo. Vocês me conhecem, né? Sabem como é que sou com essa minha mania de ser gentil com as mulheres... Principalmente as gotosinhas... Pois bem, como estava atrasado para nosso almoço, resolvi vir andando com ela até aqui para não me despedir rápido e deixá-la para trás, pois ela pareceu tão emocionada quando me viu que fiquei sem ter como não bater um papinho. Meus amigos... vocês não imaginam como me arrependi de não tê-la deixado para trás. A criatura veio da esquina da Rio Branco com Sete de Setembro, onde nos encontramos, até aqui me crivando de perguntas, queria saber tudo, só faltou me perguntar meu tipo sanguíneo!... E para culminar, queria me dar o número de seu celular e pegar o meu para marcarmos de nos encontramos... Fingi que não escutei e entrei depressa no elevador, que para minha sorte estava no térreo. Deus me livre e guarde! A partir de agora, vou passar a andar mais atento pelas ruas para se encontrar com essa maluca outra vez fingir que não a vi... Ufa... Vamos pedir um licorzinho?...

 

Bia Tannuri

-2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário