Mariana estava meio
atordoada, em um estágio intermediário entre o êxtase e a inércia. Mal
conseguia andar e foi neste estado que chegou, não sabe como, à igreja de Santo
Antonio no Largo da Carioca e lá ficou até que o sacerdote viesse lhe avisar
que a igreja iria fechar e ela teria que sair, podendo retornar no dia seguinte
se fosse do seu agrado. Só aí foi que se deu conta de quanto tempo havia ficado
mergulhada em suas lembranças do passado, as quais reviveu após seu encontro
com Astolfo, seu tão cobiçado amor dos tempos de colégio.
Eles se conheceram ainda
na adolescência, estudaram juntos, e Mariana sempre nutriu por ele uma grande
paixão, embora não correspondida, que nunca deixou de ser alimentada por ela
que vivia na esperança de um dia conseguir chegar ao coração do rapaz, o que
nunca aconteceu.
Astolfo após sair do
colégio, seguiu carreira militar como era do gosto de seu pai, casou três vezes
e atualmente estava separado. Somente teve filhos do primeiro casamento, duas
meninas as quais criou com rigor, talvez por medo que se envolvessem com homens
como ele, mulherengos e de difícil trato com compromissos. Mariana se formou em
professora, casou uma única vez e tinha três filhos homens. Os dois nunca mais
se viram até que por uma dessas casualidades do destino, se esbarram
literalmente em plena Av. Rio Branco esquina com a Rua Sete de Setembro no
centro da cidade e foi como se nunca tivessem se separado, pelo menos para Mariana
que quase desmaiou quando se viu amparada pelos braços de Astolfo. Os dois vinham
caminhando, apressadamente, em direções opostas no meio de um mar de pessoas
que se acotovelavam uma com as outras abrindo passagem, quando Mariana tentando
se desenvencilhar de um braço vindo em sua direção tombou para o lado e deu de
cara com Astolfo que teve que segurá-la para que os dois não fossem ao chão. Em
um primeiro momento a preocupação de Mariana foi a de ajeitar a saia que veio
parar no alto da cintura e os sapatos que saíram dos pés com o impacto. Somente
alguns segundos depois quando olhou para o até então desconhecido para pedir
desculpas é que mais uma vez teve que ser socorrida por ele para não cair dado
ao susto que levou ao reconhecer Astolfo, fazendo com que se sentisse tonta e
com uma sensação de vertigem. Mariana ficou parada olhando o homem que a
segurava quase que em transe, enquanto que Astolfo sem entender o que acontecia
não sabia bem o que fazer. - A senhora
está bem? Está sentido alguma coisa? Enquanto
falava Astolfo foi conduzindo Mariana para porta de uma loja, que ficava na
esquina, com objetivo de saírem do meio do tumulto de pessoas que não paravam
de passar quase que por cima deles. Era dezembro, faltavam poucos dias para o
Natal, a rua estava apinhada de gente, mas Astolfo logo se arrependeu, pois a vendedora,
vendo os dois na porta, se aproximou pensando serem compradores e Astolfo, que
já estava perdendo a paciência, voltou a puxar Mariana sem dar resposta a
vendedora que ficou a olhá-lo com sorriso sem graça, mas em seguida voltou ao
interior da loja entendendo que não iria conseguir vender-lhes nada. Mariana se sentindo muito constrangida pelo
seu comportamento não sabia aonde enviar a cara de tanta vergonha, mas mesmo
assim não conseguia controlar seu coração, que saltava feito uma bomba no meio de
seu peito parecendo que ia explodir a qualquer momento, e os pensamentos que
vagavam sem controle. “Meu Deus!...É ele.
Como pode ser?... É o mesmo Astolfo de sempre... o meu Astolfo... Apenas alguns
cabelos brancos o separam daquele menino...”
E permaneceu parada a olha-lo fixa e emocionadamente revivendo os
tempos de colégio. Astolfo já estava começando a se irritar com aquela mulher ali
parada a lhe olhar sem dizer uma só palavra, além do fato de estar
atrasadíssimo para um almoço de final de ano com amigos que o esperavam no
restaurante do Clube Naval, o que vez com que fosse se afastando com pedido de
desculpas quando Mariana meio que sem voz o chamou. - Astolfo... Há quanto tempo... Você não está me reconhecendo não é? Astolfo,
que já tinha virado e dado dois passos, voltou ao ouvir seu nome e olhou para
Mariana com ar questionador e só quando ela abriu um largo sorriso foi que ele,
mesmo sem lembrar seu nome, a reconheceu e inesperadamente lhe deu um forte
abraço, o que a deixou sem fôlego e com as pernas bambas, mais desta vez
conseguiu se controlar e não cair. - Nossa!...
Meu Deus, mas que mundo pequeno... Não me lembro do seu nome, mas de você
lembro bem. Está ótima, bonita como
sempre. Desculpe, realmente não havia lhe reconhecido. Mas também depois de
tantos anos, não é?... Não sei como você me reconheceu... que ao contrario de
você que permanece linda como uma menina, eu estou bem diferente, cabelos
brancos, meio calvo... Mas como é mesmo o seu nome? Com a voz um pouco
tremula, Mariana disse seu nome e permaneceu ainda por alguns segundo inebriada
pela atmosfera do encontro e a cada elogio feito por Astolfo sentia o coração
disparar de tanta emoção e fazia força para não demonstrar seu descontrole tentando
parecer o mais natural possível e manter um diálogo para alongar aquele momento,
mesmo sem saber o que dizer ao certo. Já
Astolfo, apesar de ter gostado de encontrá-la, não queria se estender muito
para não se atrasar ainda mais para seu almoço e como Mariana não parava de
falar, ele a pegou pelo braço fazendo com que o acompanhasse. E assim os dois
seguiram conversando pela rua no meio dos transeuntes que seguiam com a pressa
dos aflitos.
Astolfo pouco quis saber
sobre a vida de Mariana, em parte por puro desinteresse, mas também porque mal
tinha tempo de responder as perguntas feitas por ela que depois de se recuperar
do susto de encontrá-lo abriu um rosário interminável de indagações. Queria
saber tudo sobre a vida de sua paixão dos tempos do colégio. - Nossa Astolfo, que prazer em encontra-lo.
Conte-me como você está? Você seguiu mesmo a carreira militar? Ah... lembro-me
bem que você só falava sobre isso no colégio... Que era o sonho do seu pai... E
você se casou? Tem filhos, quantos?... E
Mariana seguiu com seus questionamentos e Astolfo respondendo algumas
perguntas, se esquivando de outras, não tendo muito empenho em satisfazer a
curiosidade da mulher que caminhava a seu lado, a achando até um pouco estranha
em querer saber tantas coisas sobre sua vida, afinal era só uma velha e
distante colega de colégio com a qual nem tinha tanta intimidade assim e acabou
por se arrepender de conduzi-la com ele. “Ai...
droga, porque não me despedi dela e vim embora sozinho?... Eu e essa minha
mania de sempre querer ser delicado com as mulheres...” Pensava enquanto
andava cada vez mais rápido para chegar logo e acabar com aquele interrogatório
infinito que estava lhe irritando. Mariana, por sua vez, estava quase que
correndo para poder acompanhar os velozes passos de Astolfo e parecia nem se
importar com a falta de interesse de seu acompanhante. Estava em êxtase
revivendo suas lembranças e fantasiando aquele momento como a realização de um
sonho. “Meu Deus!... Estou andando de
braço dado com Astolfo...” Era tudo em que conseguia pensar e sua emoção
era tanta que nem percebeu que o verdadeiro objetivo de seu amigo de colégio era
chegar o quanto antes a seu compromisso e pegá-la pelo braço havia sido a
maneira que ele encontrou de seguir e não ser indelicado largando-a a falar
sozinha no meio da rua.
Quando finalmente chegaram
à frente do prédio do Clube Naval, Astolfo quase que de um puxão soltou-se dos
braços de Mariana que a essa altura segurava-o com força parecendo querer
mantê-lo junto dela para sempre, e sem muita cerimônia interrompeu o discurso
questionador de sua antiga colega de colégio e se despediu dando-lhe um leve abraço,
bem diferente do primeiro quando se encontraram minutos antes, e dois beijinhos
no rosto dizendo que havia sido um prazer revê-la e adentrou pelo prédio sem
que Mariana tivesse tempo de impedi-lo, e o que é pior, sem responder de forma
concreta a pergunta mais importante para ela. – Astolfo, Astolfo... Poderíamos nos encontrar outro dia para
conversamos mais. O que você acha?... Mariana questionou como um último
suspiro. – Claro que sim Mariana... Claro...
Qualquer dia desses... Mariana sacou a caneta da bolsa e continuou em sua
investida. – Então anote meu celular e me
dê o seu... Mas Astolfo parecendo não ter escutado, ou fingindo não ter,
lhe deu um adeusinho e entrou no elevador a deixando parada nas escadas de
entrada do prédio perdida num turbilhão de sentimentos, que iam da felicidade a
frustração. E assim ficou por algum tempo, até que se deu conta que o motivo pelo
qual estava no centro da cidade era devido a ter hora com um dermatologista
tido como o mestre no tratamento estético e dificílimo de conseguir horário, ela
havia marcado meses antes e estava esperando com ansiedade pelo dia da
consulta. Mariana olhou o relógio e verificou que estava quase meia hora
atrasada e que provavelmente não conseguiria mais ser atendida. Porém, não se
incomodou muito quando ligou para verificar a viabilidade de seu atendimento e
a secretária do médico disse que não seria mais possível para aquele dia, só
tendo nova data dentro do prazo de seis meses. Desligou o telefone sem
responder se queria ou não remarcar sua consulta e andou calmamente pelas ruas
da cidade e sem perceber chegou à igreja de Santo Antonio no Largo da Carioca,
onde entrou e sentou em um dos bancos da última fila e mergulhou em seus
pensamentos.
“-
Puxa... Que pena não ter dado tempo de passar o número do celular para ele... Deveria
ter lhe dado antes, porque deixei para ultima hora?... Mas bem que ele poderia
ter esperado um pouquinho... Era só um minuto... Ah... vai ver estava atraso
para algum compromisso importante, não tinha tempo para ficar esperando eu me
decidir a dar o telefone... Eu é que demorei demais como sempre... Mas ele nem se
lembrou do meu nome... nem quis saber nada sobre a minha vida.... Mas também eu
não parava de falar... Coitado quer ver que ficou com vergonha de perguntar... Ele
sempre foi tão tímido. E quanto ao nome... o que importa o nome, o importante é
que ele lembrou de mim e concordou em nos vermos algum dia... Ei mas espera aí!...
Como vou encontrá-lo? Ele não tem meu telefone e nem eu o dele. Ai como eu sou
estúpida, como pode uma mulher da minha idade agindo como uma adolescente dos
tempos de colégio... Ah... mas ele gostou de me ver, eu pude sentir... Até me
abraçou, andou de braço dado comigo... Ele gostou tenho certeza... Qualquer dia
desses vou reencontrá-lo e não vou ser tão lenta. A primeira coisa que vou
fazer vai ser lhe dar o número de meu telefone e pedir o dele...” E
por lá ficou até ser educadamente convidada, pelo sacerdote, a se retirar da
igreja.
E enquanto isso, Astolfo
que estava na companhia dos amigos já tomando cafezinho após o almoço e num
papo daqueles sem hora para acabar, comentava sobre o fatídico encontro com a
colega de colégio. – Imaginem que vinha
eu andando, atrasado e apressado como sempre, quando dou de cara com uma mulher
que quase me jogou no chão. E adivinhem quem era? Uma velha colega dos tempos
de colégio. A principio não a reconheci, mas depois quando ela me chamou pelo
nome minha memória reavivou e lembrei. E aí é que se danou tudo. Vocês me
conhecem, né? Sabem como é que sou com essa minha mania de ser gentil com as
mulheres... Principalmente as gotosinhas... Pois bem, como estava atrasado para
nosso almoço, resolvi vir andando com ela até aqui para não me despedir rápido
e deixá-la para trás, pois ela pareceu tão emocionada quando me viu que fiquei
sem ter como não bater um papinho. Meus amigos... vocês não imaginam como me
arrependi de não tê-la deixado para trás. A criatura veio da esquina da Rio
Branco com Sete de Setembro, onde nos encontramos, até aqui me crivando de
perguntas, queria saber tudo, só faltou me perguntar meu tipo sanguíneo!... E
para culminar, queria me dar o número de seu celular e pegar o meu para
marcarmos de nos encontramos... Fingi que não escutei e entrei depressa no
elevador, que para minha sorte estava no térreo. Deus me livre e guarde! A
partir de agora, vou passar a andar mais atento pelas ruas para se encontrar
com essa maluca outra vez fingir que não a vi... Ufa... Vamos pedir um
licorzinho?...
Bia Tannuri
-2012
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