Mercedes era a primeira
dançarina do grupo de dança do Teatro “El Tango” em Buenos Aires e fazia par
com o charmoso Carlos, que para pesar de Mercedes vivia cercado pelas damas.
Mercedes era apaixonada
por Carlos, mas se contentava em ser apenas sua parceira de dança já que o rapaz
estava longe de ser homem ligado a compromissos que lhe tomassem mais do que
uma noite.
Mercedes chegava cedo ao
teatro, gostava de verificar todos os itens antes do espetáculo e quando
possível repassar os passos, o que acontecia raríssimas vezes tendo em vista
que Carlos estava sempre atrasado e mal conseguia trocar de roupa antes de
entrar em cena. Mercedes sempre lhe chamava a atenção, mas de pouco adiantava.
De fato formavam um belo par, quem os via dançar não imaginava que se
encontravam quase na hora de entrar no palco e praticamente não ensaiavam.
Dançavam juntos há muitos anos e a afinidade entre eles era latente, respiravam
sensualidade, embora para Mercedes fosse um pouco mais que isso, mas para Carlos
demonstrar paixão no entrelace dos passos era o que realmente interessava e ele
conseguia.
O Teatro abria de terça a
domingo, mas Mercedes e Carlos somente se apresentavam as sextas e sábados a
noite e nos domingos na matine, eram artistas da primeira linha do teatro, só
faziam parte dos espetáculos principais.
Mercedes morava no centro
da cidade, perto do “El Tango”, e mesmo nos dias em que não estava em cena ia
assistir aos companheiros se apresentarem. Ela adorava aquele ambiente de
musica, gente animada, feliz, falando alto, rindo mesmo que sem motivo, dizia
que preferia estar ali a ter que enfrentar suas noites solitárias de quando não
estava trabalhando. Era uma mulher linda, porém extremamente solitária e triste.
Devido ao amor que sentia por Carlos não conseguia se relacionar com ninguém,
embora pretendentes não lhe faltassem.
Carlos via Mercedes como
uma linda mulher, mas só isso, até tentou se aproximar algumas vezes, mas
quando percebeu que o interesse da moça ultrapassaria ao seu limite de uma noite
resolveu se afastar para não causar falsas esperanças, embora sua estratégia
não tenha cumprido o objetivo, pois Mercedes estava cada vez mais apaixonada
por ele que parecia não perceber ou ao menos não demonstrava qualquer tipo de
reação aos seus olhares ardentes.
E assim a vida de Mercedes
seguia sem muita emoção até aquela fatídica noite de sábado. Era inicio de
inverno, mas o clima já estava muito frio e naquela noite em especial a
temperatura estava nos limites de congelar os ossos. Mercedes chegou cedo ao “El
Tango”, como era de costume, e não se sentia bem estava com muito frio, não
conseguia sentir-se aquecida mesmo com a calefação do teatro. Foi para seu
camarim deitar e tentar relaxar um pouco. Após algum tempo voltou para o salão
já com aparência melhor, tomou dois conhaques e disse que aquela noite dançaria
como nunca e dirigiu-se para trás do palco onde Carlos já a esperava para
entrarem em cena. Não deram mais do que dois passos e Mercedes caiu aos pés de
Carlos imóvel como uma folha de papel inerte. – Mercedes!Mercedes!... Carlos abaixou a segurou nos barcos e
pôs-se a chamá-la sem obter resposta. As luzes do tetro acenderam e o publico
começou a ficar em polvorosa sem entender o que havia acontecido. Rapidamente a
cortina fechou e um médico que estava na platéia atendeu ao chamado para
socorrer Mercedes que permanecia caída e inerte nos braços de Carlos que a apertava
forte contra o peito e teve dificuldades de soltá-la quando o médico se
próximo. - Por favor, abram espaço para
que eu possa examiná-la. O médico colocou os dedos do lado do pescoço de
Mercedes, apertou seus pulsos, examinou os olhos com uma pequena lanterna sob
os olhares fixos dos dançarinos que o cercavam e deu a notícia: Ela está morta. Não há nada o que fazer.
Sinto muito. Foi um burburinho só, uns choravam, outros diziam não
acreditar e Carlos jogou-se sobre o corpo já frio de Mercedes e pôs-se a chorar
sem querer largar como se ela lhe pertencesse.
E no meio de toda aquela
confusão do outro lado do palco estava ela, Mercedes, sem entender nada. - Ei!! Gente o que está acontecendo? Por que
pararam com o espetáculo? E ia tentando passar no meio de todos empurrando
um e outro quando se deparou com a mulher, caída no chão, envolvida pelos
braços de Carlos que não parava de chorar. – Ei!! Quem é essa aí?... E já ia se abaixar para ver melhor quando
ouviu Carlos dizendo no meio do pranto que não podia acreditar que Mercedes
havia morrido, quase que ao mesmo tempo em que se afastava deixando o rosto da
mulher a mostrar. Mercedes ficou paralisada, não podia acreditar no que acabara
de ouvir e de ver. Era ela, caída no chão, com todos a sua volta a chorar a sua
morte. – Estão todos loucos! Pensou e começou a gritar tentando chamar
atenção para si. – Ei!!!! Olhem, não
morri coisa nenhuma!... Estou aqui!!! Olhem para mim!!! E sem ser ouvida
andava de um lado para o outro tentando obter a atenção de alguém e não
conseguia entender porque ninguém lhe ouvia. Chegou a pensar se tratar de
alguma brincadeira, uma performance surpresa do espetáculo que ninguém havia
lhe contato e no auge de seu desespero correu até Carlos com intuito de fazê-lo
parar e quando tentou agarrá-lo pelos braços viu que suas mãos o atravessavam
não sendo capazes de segurá-lo, tentou por várias vezes e nada. Entrou em
pânico, não sabia o que fazer ninguém podia lhe ver, nem escutar, resolveu
então abrir as cortinas para pedir ajuda ao publico, ver se alguém poderia lhe
ajudar, mas o teatro estava vazio, todos já haviam saído, foram retirados após
a explicação do diretor da casa do que havia acontecido, mas permaneciam na
calçada do lado de fora a espera de mais noticias e Mercedes seguiu o vozerio e
foi até lá. Ao sair deu de cara com um aglomerado de pessoas que falavam sem
parar sobre o acontecido, ou seja, a sua morte no palco. – Meu Deus será que ninguém consegue me ver, será que morri mesmo?...
Não, não, não pode ser... Não estou morta!!!!... Gritava e chorava andando
pelo meio do povo, que não arredava pé da porta do teatro quando deu de cara
com dois olhinhos fixos nela. Olhou para um lado pro outro, pra trás, a procura
de quem aquela menina pudesse estar olhando e não viu ninguém. – Meu Deus ela está me vendo!... Andou
até a menina que lhe abriu um largo sorriso. – Você está me vendo?... A menina fez que sim com a cabeça, mas em
seguida foi puxada pela mãe que não fazia idéia do que se passava. Mercedes foi
atrás. – Você pode me ouvir?... Por
favor, me ajude. O que está acontecendo?... A menina olhava fixamente para
Mercedes e colocou a mão na frente da boca e disse como que um segredo. – Você morreu. Lá no palco. Mercedes não
podia acreditar no que acabara de ouvir e aos prantos pedia para que a menina
lhe explicasse o que havia ocorrido, mas a mãe da garota mais uma vez a levou e
desta vez para longe de seu alcance, e por mais que corresse atrás delas as
perdeu no meio do povo que não parava de chegar a porta do tetro em busca de
noticias.
Mercedes voltou para
dentro do teatro e encontrou Carlos, ainda chorando, ao lado do corpo que agora
estava no centro do palco em cima de uma mesa coberto por um lençol branco e
todos os outros em volta de mãos dadas, também chorando, em uma espécie de
oração pelo que pode entender. E pela primeira vez naquela noite pensou que
realmente estava morta, embora não se sentisse. Foi até Carlos passou a mão por
seus cabelos, tentou sem sucesso enxugar suas lágrimas e pensou: - Por que choras tanto a minha morte? Será
que gostavas de mim? E nessa hora Carlos abaixo e beijou o rosto de
Mercedes e baixinho disse que a amava e só não pôde lhe dar a segurança que ela
queria, mas mesmo assim a amava. E Mercedes mais triste e amargurada ficou
agora já convicta que realmente estava em seu leito de morte. – Ah Carlos por que nunca me disse isso?
Tudo poderia ter sido diferente... Por quê?...
-
Oh Mercedes, Mercedes!!!... Vamos o espetáculo já vai começar!... Vamos!...
Batia Carlos insistentemente a porta do camarim de Mercedes que demorou muito a
atender acordando de um pulo levando um grande susto sem saber ao certo quem
estava a lhe chamar.
-
O que houve?... Quem está aí?...
-Oi
sou eu Carlos!... Estou batendo na porta faz séculos. Vamos estamos atrasados!
O que deu em você para perder a hora desse jeito?...Mercedes
abriu a porta e ficou olhando para Carlos, ainda meio tonta e confusa.
-
Não sei... estava cansada, não me sentia bem... Deitei e acabei dormindo um
pouco... Não sei bem... Acho que estava tendo um sonho ruim... Que bom que você me acordou. Vá indo que já,
já eu vou. Mercedes acabou de se arrumar rapidamente e
seguiu atrás de Carlos.
Naquela noite, Mercedes
estava esfuziante, dançou como nunca, melhor do que todos os dias e com uma
sensualidade diferente, mais ardente e mais próxima de Carlos, que embora não
estivesse entendendo tratou de aproveitar e apertá-la mais em seus braços.
Bia Tannuri
04-03-2012
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